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Dra. Isabel Ferreira

Isabel Ferreira chegou a um patamar da sua vida profissional que dispensa quaisquer apresentações. Nascida em Moçambique, foi em Bragança que a cientista que, hoje, é, indiscutivelmente, considerada uma das mais influentes e dinâmicas na investigação agroalimentar, cresceu.

Professora Coordenadora Principal do Instituto Politécnico de Bragança, é, também, diretora do Centro de Investigação de Montanha e coordena, ainda, o Conselho Científico de Ciências Naturais e do Ambiente da Fundação Portuguesa para a Ciência e a Tecnologia. Licenciada em Bioquímica pela Universidade do Porto, mestre, doutorada e agregada em Química pela Universidade do Minho, Isabel Ferreira tem-se distinguido ao longo dos anos em virtude da investigação científica que conduz em química e tecnologia de produtos naturais, nutracêuticos, alimentos funcionais e aditivos naturais, tendo já criado uma base de dados derivada dos resultados obtidos através dos seus estudos em centenas de espécies de cogumelos e plantas, não só da região transmontana, mas originárias de todo o mundo. Notabilizou-se, também, no estudo exaustivo de moléculas com “propriedades bioativas” e os resultados granjeados através de “alimentos funcionais e ingredientes de base natural” captaram a atenção e o reconhecimento dos seus pares.

Atualmente, a investigadora integra, também, o Conselho Consultivo da Fundação de Ciência – Flanders da Bélgica e a Comissão de Peritos de acompanhamento dos Programas Quadro Europeus, sendo uma das cientistas mais citadas internacionalmente, até porque Isabel Ferreira foi distinguida, consecutivamente, nos últimos cinco anos, na “Essential Science Indicators”, um dos mais prestigiados indicadores da qualidade de investigação.

Convidada a integrar o XXII Governo, liderado pelo Primeiro-Ministro António Costa, Isabel Ferreira assumiu a Secretaria de Estado da Valorização do Interior a 26/10/2019. Função que desempenha até aos dias de hoje.




O CONHECIMENTO NA MOBILIZAÇÃO DAS REGIÕES

“O conhecimento deverá aproximar os recursos de cada região à sociedade no seu todo, traduzindo-se num impacto real na economia dos territórios"

 

Isto consegue-se com ensino superior aliado à investigação. Vejamos o exemplo da região de Trás-os-Montes.

Num passado recente, estas regiões enfrentavam um amplo conjunto de restrições e ameaças, nomeadamente sistemas com baixa produtividade, dispersão geográfica, baixa densidade populacional, dificuldades de especialização e internacionalização das empresas, produtos/serviços de baixo valor acrescentado, mercados internos de escala reduzida, setor industrial pouco desenvolvido (funcionários com baixa escolaridade) e falta de desenvolvimento tecnológico. Hoje…são ecossistemas únicos com um enorme potencial de exploração sustentável. Inclui hotspots de biodiversidade, fontes privilegiadas de recursos naturais, locais emblemáticos com um património cultural ancestral, ambientes inspiradores para a exploração de tecnologias verdes, constituindo locais desafiantes para incorporar investigação & Inovação (I&I) e pessoal altamente qualificado. Bragança é hoje cosmopolita, internacional e multicultural.

Efetivamente, houve um planeamento do território também com base no ensino/investigação/inovação, na colaboração e governança a vários níveis, mas com um grande protagonismo do nível regional, e do desenvolvimento de novas centralidades. Ensino Superior e I&I foram uma força motora no desenvolvimento socioeconómico da região (com a criação de formações em articulação com os recursos endógenos ou ainda com a investigação em colaboração com a indústria no desenvolvimento de produtos de alto valor acrescentado).

Os politécnicos e as universidades são importantes polos de promoção da coesão territorial e desenvolvimento socioeconómico, sendo essencial a sua ancoragem nos processos de inovação regionais. Traduzem também a garantia de uma maior democratização do acesso ao conhecimento e à cultura científica e tecnológica. Valorizam o papel dos professores de ensino superior como cientistas (e que são muito considerados pela sociedade no seu todo). Os politécnicos, em particular, constituem ecossistemas de inovação de base territorial, valorizando a diversidade territorial e as redes colaborativas de base territorial, com reforço da sua internacionalização e da capacidade de atração de investimento externo; alicerçadas na experimentação e prototipagem de soluções inovadoras e, nomeadamente, com cooperação transfronteiriça.

 

“Uma profunda articulação ensino/investigação poderá atrair investimento e mão de obra qualificada para as regiões”

 

O objetivo basilar da investigação científica, tradicionalmente considerado como a aquisição de conhecimento, é hoje muito mais abrangente, integrando também a imperativa necessidade de transferência e valorização do conhecimento alcançado. Nesta nova abordagem, sustentada pelo aumento da capacidade científica e tecnológica nacional nos últimos anos, é essencial fomentar estratégias capazes de otimizar as especificidades de cada contexto científico, criando condições essenciais ao estabelecimento de padrões de inovação característicos de cada realidade social e territorial. Tornam-se, portanto essenciais, estratégias capazes de concretizar as potencialidades distintivas de cada região em recursos competitivos e complementares, abrindo novas potencialidades de proximidade desses recursos à economia e à sociedade em geral. E isto é, sem dúvida, uma das mais valias do Sistema Politécnico e que poderá ser enormemente potenciado pela ação dos Laboratórios Colaborativos, recentemente criados em Portugal.

Devemos reunir massa crítica em estratégias multidisciplinares criando ecossistemas sinérgicos, potenciadores de desenvolvimento científico e inovação, e catalisadores da economia nacional e das regiões em particular (segundo o modelo Living Labs). Deve apostar-se na extensão do âmbito da investigação articulada às formações oferecidas (indo de encontro aos stakeholders).

A interação entre professores, investigadores, empreendedores e empresários de uma determinada região dará garantias de sustentabilidade, conduzindo a um impacto real nos respetivos territórios.

Deverão ser implementadas estratégias que preconizem um carácter diferenciador para o conhecimento gerado voltado para a inovação e para a dinamização da economia. É imperativo que se criem as condições necessárias à atração e fixação de ativos especializados no sector público e privado, em todas as regiões do país, mas sobretudo no interior onde a baixa densidade populacional se torna uma preocupação de todos. O ensino superior reverte esta tendência.

Os Laboratórios Colaborativos transformam práticas pontuais de investigação em co-promoção, em missões organizadas segundo estratégias complementares de elevado impacto na economia do país, permitindo percorrer diferentes cadeias de valor e mobilizar a cooperação intersectorial. Deve, pois, apostar-se na investigação colaborativa com a indústria, associações e empresários assegurando transferência de conhecimento, tecnologia e inovação. Devem apoiar-se os Parques de Ciência e Tecnologia e dinamizar a participação em Projetos Mobilizadores e a criação de Spin-offs e start-ups, bem como Núcleos de I&I colaborativos.

A dinamização e integração em redes temáticas competitivas e bem posicionadas para captar financiamento, criará novas oportunidades de ensino, investigação, inovação e transferência de tecnologia e aumentará a nossa capacidade de internacionalização nos sectores público e privado. É fundamental a expansão da área geográfica da nossa influência, assumindo papéis de liderança em redes internacionais.

As instituições deverão ter a capacidade de se organizar internamente no sentido de se posicionarem de forma competitiva nas missões definidas pela União Europeia como prioritárias. Para além de ser importante o reforço das áreas em que temos liderança internacional, precisamos de apostar em áreas emergentes, captando cientistas e a comunidade empresarial para missões ambiciosas, contribuindo também para a afirmação da liderança científica da Europa.

 

“As políticas públicas são muito importantes para estes desafios, fomentando articulação entre ensino e investigação”

 

O apoio a unidades de I&D continua a ser fundamental, criando condições que garantam a continuidade sustentável das suas missões e planos estratégicos. Deverá ser evitada qualquer tendência de centralização, quer à escala nacional, como internacional, muitas vezes baseada em critérios que não valorizam o incremento da ciência e o estímulo da investigação científica. Este constrangimento deve ser anulado, efetivando o apoio a novas centralidades de investigação, capazes de desenvolver especializações em tecnologias inovadoras e dinâmicas, com base em competências validadas e características geográficas específicas, potenciando a disseminação científica, a valorização de recursos endógenos de acordo com os padrões de inovação regionais, e aumentando também o impacto das atividades de investigação e inovação, a nível nacional e internacional.

Deverá ser valorizada a capacidade de exploração de especificidades locais como elementos centrais do desenvolvimento socioeconómico do país, e fazer o mesmo exercício para Portugal em relação à Europa. Nomeadamente, explorar segmentos de mercado mais sofisticados e as crescentes tendências de valorização da origem e autenticidade dos produtos, revela-se interessante para as regiões do interior. Isto acontece no Centro de Investigação de Montanha, um centro em perfeita harmonia com o Instituto Politécnico que o acolhe e com a região, mas com uma enorme dimensão de internacionalização.

A melhoria das infraestruturas, bom como o aumento do nível tecnológico dos equipamentos, são evidentes. Porém, a prossecução do crescimento científico em Portugal está diretamente dependente de políticas que valorizem e consolidem a massa crítica que é representada pelos recursos humanos. O plano de ação norteado pelo aumento do conhecimento científico deve, sem qualquer dúvida, continuar a receber todo o incentivo possível, em particular se o conhecimento gerado assumir um carácter diferenciador e, logo, mais habilitado para gerar inovação e dinamizar a economia. Assim, é imperativo que continuamente se criem as condições necessárias à atração e fixação de ativos especializados no setor público e privado, a exemplo do vasto conjunto de oportunidades que decorre do Programa de Estímulo ao Emprego Científico. Por outro lado, o emprego científico e qualificado, alicerçados na formação doutoral, são essenciais para todas as regiões e as regiões são dinamizadas também pelas suas instituições de ensino superior, sejam elas politécnicas ou universitárias.

Aprecio a cultura territorial: colocar o território no centro do desenvolvimento e das decisões políticas, mas também das missões das instituições. E terminando, o repto é transformar problemas em oportunidades, juntando inovação à investigação e articulando-a com o ensino. Como fizemos nós com a Montanha, encarando-a como uma inspiração de biodiversidade, elevada qualidade de vida e potencial tecnológico, transformando constrangimentos em oportunidades que ao contribuírem para o desenvolvimento local, contribuirão certamente muito mais para o desenvolvimento do país.

 

FONTES:

 

Isabel C.F.R. Ferreira. A capacidade institucional e empresarial para o futuro da ciência em Portugal. Sobre o futuro da Ciência em Portugal, 30 anos após as jornadas de Maio de 1987. Lisboa, 11 de maio de 2017.

Isabel C.F.R. Ferreira. Convenção Nacional do Ensino Superior, Universidade de Aveiro, 15 de março de 2019.

 

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