A artista Graça Morais, no dia em que recebeu o doutoramento ‘honoris causa’, agradeceu o reconhecimento pela universidade da sua região, Trás-os-Montes, e disse que vai retomar a pintura depois de um período de “reflexão” provocado pela guerra na Ucrânia.
“Significa muito, honra-me muito, deixa-me muito contente porque é o reconhecimento da minha obra e da minha pessoa. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) é a universidade da minha região, porque nasci aqui perto”, afirmou à agência Lusa.
Graça Morais nasceu no Vieiro, aldeia do concelho de Vila Flor, no distrito de Bragança, a cerca de 60 quilómetros de Vila Real, onde ontem recebeu o doutoramento ‘honoris causa’.
Na cerimónia que decorreu na aula magna da academia transmontana, marcou presença o primeiro-ministro, António Costa. Antes, a artista recebeu um telefonema do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
A pintora disse ter ficado contente porque são duas pessoas que estima.
Aos 74 anos, Graça Morais torna-se na segunda mulher a ser distinguida com o doutoramento ‘honoris causa’ pela UTAD, depois de, em 2018, ter sido atribuído à escritora Agustina Bessa-Luís.
“Ainda me honra mais, porque a Agustina Bessa-Luís é um grande vulto da nossa cultura, é uma grande escritora e era uma grande amiga minha. Eu acho que este olhar sobre a obra de uma mulher é importantíssimo e é muito raro nas universidades, sobre uma artista, é mais sobre mulheres ligadas a outras áreas”, referiu.
A artista diz que é um reconhecimento importante à sua obra e a si, enquanto mulher, e que espera que, a partir de agora e cada vez mais, as mulheres comecem a “ser reconhecidas por entidades tão importantes como as universidades”.
Depois de um período de “grande reflexão” em que entrou quando começou a guerra na Ucrânia, Graça Morais quer retomar a sua obra.
Estes tempos, contou, “não foram muito produtivos”, embora tenha estado envolvida “em vários assuntos”, entre eles o painel de azulejos que vai ser inaugurado este mês, em Almeida, de homenagem “ao nosso sábio” Eduardo Lourenço.
“Porque esta guerra criou em mim um sentimento de espanto, revolta e ao mesmo tempo de medo, porque é muito perto de nós, as pessoas que fogem estão vestidas como nós, as pessoas que ficam são muito pobres. Nós vemos aquelas mulheres e é realmente a pobreza máxima que ficou naquele país ou as mulheres mais heroicas que ficaram ao lado dos homens”, apontou.
São, na sua opinião, “exemplos de grande heroísmo que aquelas mulheres estão a dar ao mundo”.
“Nós vivemos sempre num mundo de grandes incertezas. Quando viajamos, sobretudo pela Europa, sentimos que é uma Europa estável, uma Europa da cultura, da democracia e, de facto, nada está certo nas nossas vidas. Viu o susto que nós todos apanhamos com esta pandemia (covid-19)?”, referiu ainda Graça Morais.
A artista não acredita “na inspiração” e conta que tudo o que faz “tem a ver com olhar o mundo, pensar o mundo, refletir”. “E depois obedeço a grandes necessidades que estão relacionadas com a minha forma de ver, de viver como mulher, mas sobretudo com a cultura que eu fui adquirindo ao longo da vida, aprendendo muito com outros grandes mestres, lendo, vendo cinema”, acrescentou. Isto porque, na sua opinião, a “pintura não vive isolada”.
“Nós vivemos de pequenas coisas, de pequenos contactos com pessoas e objetos e com seres até animais, mas também com a arte global, com o conhecimento, por isso a importância das universidades”, frisou.
E continuou: “É através do conhecimento que o espírito das pessoas pode enriquecer, ficar mais crítico e menos permeável aos populismos, menos permeável a seres detestáveis e perigosíssimos como o Putin. Há ‘Putins’ em todos os países, não podemos é deixá-los chegar ao Governo, temos que lutar contra isso”.
Com mais de 50 anos de vida artística, Graça Morais é considerada uma “das grandes referências na história da arte contemporânea europeia”.
Fez a primeira exposição em 1971 e afirmou que teve de conciliar o “tempo dedicado à sua pintura com aulas”.
“No início a pintura não se vende, é muito difícil, é tudo muito irregular. Qualquer crise económica que atinja o país já o mercado da arte retrai-se. É sempre difícil porque o artista vive da sua arte”, referiu.
A artista foi agraciada, em 1997, com o grau de grande oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente da República Jorge Sampaio, e recebeu, em 2019, a Medalha de Mérito Cultural das mãos da ex-ministra da Cultura Graça Fonseca.
É membro da Academia Nacional de Belas Artes e de diversas associações, confrarias e fundações culturais.
Entre 1974 e 2019 realizou e participou em mais de uma centena de exposições individuais e coletivas em Portugal e no estrangeiro e, em 2008, foi inaugurado o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais (CACGM), em Bragança, da autoria do arquiteto Souto Moura.
À Lusa contou que aquilo que “gosta mais” é que visitem a sua pintura, destacando a oportunidade de ter, há 13 anos, em permanência, obras no centro de arte em Bragança, onde a sua última exposição - “Inquietações” - pode ser visitada até setembro.
FOTOGRAFIA: ARQUIVO