Alguns advogados de defesa dos acusados do homicídio de Giovani Rodrigues apontaram hoje falhas à investigação, desde o apuramento dos factos à condição clínica com a revelação de que o jovem foi também vítima de uma infeção hospitalar.
Depois de quatro sessões dedicadas exclusivamente aos arguidos, o tribunal de Bragança ouviu hoje o médico que fez o relatório da autópsia, um inspetor da Polícia Judiciária e um dos outros três cabo-verdianos que estavam com Giovani na madrugada de 21 de dezembro de 2019.
Durante a audição do perito médico-legal, o advogado Ricardo Cavaleiro revelou, pela primeira na fase pública do processo, que foi diagnosticada a Giovani, durante o internamento hospital, uma broncopneumonia aguda, que explicou tratar-se de uma infeção hospitalar.
O advogado confrontou o perito com esta condição clínica e as possíveis consequências para o estado de saúde, acabando por ficar evidente apenas o que consta do relatório da autópsia com o traumatismo cranioencefálico apontado como causa da morte.
O perito manteve também a conclusão já conhecida de que o referido traumatismo tanto pode ter tido causa homicida como acidental.
O traumatismo no lado esquerda da cabeça, entre a testa e o couro cabeludo, é a única lesão que consta de todos os relatórios médicos, tanto do hospital de Bragança onde o jovem foi primeiro assistido, como do hospital do Porto para onde foi transferido ao início da manhã e onde morreu dez dias depois.
Outro advogado de defesa, Américo Pereira, sustenta com os relatórios médicos uma das críticas à investigação que resultou na acusação a sete jovens de Bragança de agrediram quatro jovens cabo-verdianos a murro, a pontapé, com soqueiras, com cintos e com paus.
“Vem a autópsia e diz que o Giovani só tem um único ferimento na cabeça, como é que é possível que sete pessoas a bater numa outra pessoa indefesa no chão só lhe tenham provocado um único ferimento na cabeça e é exatamente esse ferimento que o leva à morte”, questionou.
Para o advogado, “há aqui qualquer coisa que não está certa” e “na investigação perdeu-se a oportunidade de esclarecer como é que foi feito aquele ferimento, se resultou de uma queda ou se foi agredido”.
Américo Pereira lembrou que Giovani foi encontrado caído no chão a “centenas de metros” do local onde terão ocorrido agressões entre os grupos e criticou a Polícia Judiciária por não ter averiguado o que se passou neste percurso, nomeadamente com recurso às câmaras que ali existem, uma diligência que o inspetor ouvido hoje em tribunal considerou “inútil”.
Também o advogado Gil Balsemão critica a Polícia Judiciária por nas reconstituições dos factos que realizou durante o inquérito nunca ter incluído as escadas onde Giovani terá caído e batido com a cabeça num corrimão.
“E isso é no mínimo estranho porque isso iria contribuir para a descoberta da verdade e escusava-se hoje, tanto tempo passado, estarmos aqui a tentar perceber e a fotografar da forma como ele caiu, ou se é que caiu, se tropeçou”, afirmou.
O episódio da queda nas escadas foi incluído na acusação na fase de instrução, com base nos testemunhos dos amigos que acompanhavam Giovani e que são ofendidos no processo, já que os sete arguidos são acusados, em coautoria, de um crime de homicídio qualificado e três de ofensas à integridade física em relação aos outros três cabo-verdianos.
O primeiro dos ofendidos começou hoje a ser ouvido como testemunha e disse ao tribunal que Giovani tropeçou, não caiu nas escadas.
Os relatos sobre a madrugada de 21 de dezembro 2019 coincidem nos momentos com os dos arguidos, com uma desavença que começou num bar e ficou sanada e um segundo episódio junto ao viaduto da Av. Sá Carneiro junto a outro bar.
Nas duas versões, Giovani nunca aparece no início das contendas, mas sim um dos amigos e um rapaz de Bragança que nem consta do processo.
O confronto físico começa na rua entre esses dois e acaba por envolver os quatro cabo-verdianos e os sete arguidos.
No tribunal já foram admitidas agressões mútuas, mas nenhum arguido confessou ter atacado Giovani, concretamente em conjunto, como afirmou hoje o colega cabo-verdiano ouvido em tribunal.
O jovem disse que conseguiram depois fugir os quatro do grupo, desceram pelas escadas onde Giovani terá caído ou tropeçado e seguiram para a outra ponta da av. Sá Carneiro.
Segundo a testemunha, os quatro pararam alguns metros à frente e dois voltaram atrás por terem perdido a carteira e o telemóvel na contenda.
O amigo testemunhou que ficou com Giovani e que, enquanto fazia um telefonema para os outros, este desapareceu e só o reencontraram quando a Polícia já tinha chegado ao local onde estava caído e inconsciente e foi socorrido como uma vítima alcoolizada.
A testemunha disse hoje ao tribunal que Giovani se queixava da cabeça e que tinha sangue, o que levou o juiz presidente do coletivo a confrontá-lo com o relatório dos bombeiros que o socorreram e que não viram sangue.
Só apôs examinarem a vítima é que os socorristas se aperceberam do traumatismo que não tinha ferida aberta, mas que foi feito por compressão.
O julgamento já tem mais três sessões marcadas, a primeira das quais para 15 de março, e será retomado com o testemunho dos ofendidos.
FOTOGRAFIAS: BMF