A defesa de um dos arguidos do julgamento da morte de Giovani Rodrigues, em Bragança, surpreendeu hoje o final das audiências com uma testemunha ocular que nunca foi ouvida ao longo do processo.
Um morador na rua onde ocorreram os confrontos, na madrugada de 21 de dezembro de 2019, foi hoje a tribunal dizer que tem “conhecimento visual do que aconteceu” e que não viu ninguém a ser espancado no chão, nem paus, soqueiras ou outros objetos.
A testemunha Humberto Rocha contou que os cenários de confusão “são mais que usuais, são o dia-a-dia”, nesta zona da cidade de Bragança, com concentração de espaços de diversão, e que noutras situações que presenciou “de gravidade grande, “de imediato” ligou para a Polícia.
Não lhe pareceu o caso na madrugada dos confrontos que a acusação diz que levaram à morte do jovem cabo-verdiano de 21 anos, que tinha chegado há pouco tempo a Bragança para estudar no politécnico.
A testemunha disse que foi à varanda e viu “um grupo de quatro rapazes de cor” e “outro grupo de quatro rapazes e duas ou três raparigas brancos”, sendo que principalmente uma das raparigas gritava para os cabo-verdianos irem embora dali.
Segundo o relato, “dois dos rapazes de cor começaram a subir a rua e um dos outros dois tentava levar o mais encorpado pela rua acima”, enquanto este último “ia olhando para trás numa atitude desafiadora" ia dizendo: “mano a mano” para o grupo de brancos que ficou ao fundo da rua.
A testemunha contou que se seguiu depois “grande confusão” no cimo da rua entre os cabo-verdianos e mais três portugueses, que não conseguiu perceber de onde chegaram.
“Lembro-me de os ver todos embrulhados e de andarem ao estalo, murros e pontapés”, afirmou, garantindo que “estavam todos de pé” e que não viu “pau nem objetos metálicos” na contenda.
A testemunha afirmou que “foi tudo muito rápido” e que “os rapazes negros fugiram a correr e os brancos seguiram-nos” pelo bairro de Santa Isabel.
Nessa altura, continuou, o grupo de rapazes e raparigas que permaneceu ao fundo da rua começou a subir a mesma rua e seguiu na direção dos restantes.
Humberto Rocha disse que só associou este episódio à morte de Luís Giovani mais tarde, quando soube que um dos suspeitos de crime de homicídio detidos era um conhecido, que na noite dos incidentes reconheceu por ter um problema de saúde num braço.
A testemunha disse ter contactado a família para se disponibilizar a contar o que viu e que tentou fazer o mesmo junto das autoridades, mas que lhe disseram que não podia ser ouvido.
“Apareci quando o tribunal me notificou”, respondeu à pergunta de só agora, na reta final do julgamento ter surgido como testemunha.
O advogado Américo Pereira explicou à Lusa que quando a defesa teve conhecimento de que esta testemunha poderia ser conhecedora de factos foi numa fase em que processualmente já não era possível ser inquirida porque já tinha saído a acusação do Ministério Público.
A defesa deste arguido decidiu arrolá-la no julgamento e considerou que foi “esclarecedora, credível e objetiva” e que “vai ao encontro do conjunto da prova produzida e principalmente corrobora a prova chamada técnica-científica”.
“Os pareceres técnicos e os peritos que foram ouvidos foram absolutamente contundentes em afirmar que o que está na acusação não pode ter acontecido. O que esta testemunha veio dizer foi exatamente isso”, declarou.
O Ministério Público acusou sete homens de Bragança de homicídio qualificado, considerando que o ferimento na cabeça que levou à morte do cabo-verdiano resultou de ter sido “brutalmente agredido a murro, pontapé, com paus e soqueiras” em grupo e mesmo depois de prostrado no chão.
A acusação entende que as agressões ocorreram na rua que sobe da av. Sá Carneiro para o bairro Santa Isabel e que terão sido desencadeadas por uma escaramuça entre cabo-verdianos e portugueses num bar das redondezas.
Luís Giovani morreu a 31 de dezembro de 2019, dez dias depois de ter sido encontrado sozinho caído no chão e inconsciente, a centenas de metros do local dos incidentes.
Peritos, o médico da urgência que assistiu a vítima e o relatório da autópsia descrevem apenas um ferimento, um traumatismo cranioencefálico que a própria autópsia deixa em aberto se foi homicida ou acidental.
O julgamento prossegue a 14 de fevereiro com o início das alegações finais.
FOTOGRAFIA (BMF): Sala de audiência no NERBA