O jovem de 21 anos que estava em coma, após ter sido brutalmente espancado em Bragança, acabou por morrer na madrugada desta quarta-feira no Porto, dez dias depois do seu internamento no Hospital de Santo António.
Natural de Mosteiros, na Ilha do Fogo, em Cabo-Verde, Luís Giovani dos Santos Rodrigues encontrava-se há menos de dois meses em Portugal, para onde veio, acompanhado por Elton e Jailson, seus amigos de infância, frequentar o curso de Design de Jogos Digitais, no campus de Mirandela, do Instituto Politécnico de Bragança.
Ao que a Kapital do NordestE (KNE) conseguiu apurar, o desentendimento entre os quatro amigos cabo-verdianos e um grupo de jovens da Capital de Distrito terá começado num conhecido bar da cidade, ao que parece devido a um mal-entendido relacionado com uma rapariga.
Naquele conhecido espaço de diversão noturna, o dj residente, Fernando Salvador, terá conseguido apaziguar os ânimos. Pelo menos, momentaneamente. “Um funcionário do estabelecimento, quando se apercebeu do desentendimento, pediu a um dos intervenientes no conflito que o acompanhasse até uma área de acesso restrito no bar, neste caso para a cabina de som do dj”, pode ler-se na página oficial de Facebook do Lagoa Azul, num post publicado este sábado, dia 4.
No entanto, vinte minutos depois, de acordo com fonte que optou por permanecer anónima, o grupo de Bragança terá chamado mais pessoas para uma espera organizada ao grupo de quatro amigos que se encontravam, ainda, no interior do estabelecimento.
“Esses 20 minutos foram suficientes para os que estavam lá dentro chamarem outros e armarem a confusão toda. Esses 20 minutos em que o Salvador esteve com eles lá dentro era mais que tempo para esfriarem a cabeça e irem embora, mas como eles se acham os maiores gângsteres do mundo, chamaram os amigos, os amigos ficaram escondidos, um ficou cá fora do bar e quando eles saíram o outro identificou-os e bateram nos miúdos com paus, correntes de mota e meias com pilhas quase até matá-los”, descreve a mesma fonte.
“Saíram os quatro do Lagoa Azul, mas o Giovanni e um dos amigos voltaram para trás porque se esqueceram do casaco dentro do bar. Então os dois que foram na frente já tinham levado e quando os outros dois saíram foram cercados, o Giovanni estava desprevenido, bateram-lhe logo e caiu. O Giovanni nunca tinha andado à porrada, encolheu-se e eles em vez de sentirem pena do garoto porque estava a encolher-se, não, é mostrar que somos homens”, conta com um tom de voz, visível e compreensivelmente, revoltado.
“Havia os mais novos e vieram depois os mais velhos e estes que deviam vir de mãos vazias foram eles que trouxeram os paus e tudo o resto. Aliás, um dos homens que bateu neles, que eu sei, dava-lhe um estalo, não precisava mais nada, que o garoto (Giovani) ia a chorar para casa”, acrescenta.
Ainda segundo a fonte a que a KNE teve acesso, o grupo de jovens da cidade estaria escondido nas escadas entre o Lagoa Azul e o café Fator-X, de forma a apanharem de surpresa os quatro amigos desprevenidos. "Homens feitos a baterem em garotos de 19 e 20 anos. Pais de família, alguns que tiveram filhos há pouco tempo, quero ver como se vão safar de uma situação destas", sublinha, claramente indignado.
Quanto ao número de agressores, “os miúdos conseguiram identificar oito, mas naquela noite seriam por volta de 13 pessoas, mais as miúdas que estavam com eles, 15, 16”, informa.
Apesar da vítima mortal ter acabado por ser Giovani, a verdade é que, até àquele momento, em que foi barbaramente golpeado na cabeça, o jovem que na sua terra natal tocava no teclado da igreja desde criança e que, recentemente, tinha formado um conjunto de música tradicional cabo-verdiana, ainda não tinha tido qualquer envolvimento no confronto, a não ser acompanhar os seus amigos naquela que, supostamente, seria mais uma inocente noite de diversão que, de inocente, não teve nada.
Depois de tentar contactar a Polícia de Segurança Pública, sem sucesso, a KNE teve a oportunidade de entrevistar o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Bragança, que elucida que o alerta foi recebido às 4 horas na madrugada do dia 21. “Fomos acionados para a Sá Carneiro após um pedido de socorro via CODU e, imediatamente, fizemos deslocar para o local uma equipe de dois elementos, um deles enfermeiro, e quando chegaram encontraram um rapaz deitado, inconsciente, com um hematoma na cabeça”, descreve. De acordo com José Fernandes, “os bombeiros avaliaram a situação, prestaram os primeiros socorros e aperceberam-se logo que como ele não reagia era um estado que inspirava muito cuidado, tendo sido imediatamente transferido para a urgência do hospital de Bragança”. O jovem de estrutura franzina viria a ser transportado ainda nessa madrugada, já depois das 6 horas, para o Hospital de Santo António no Porto com sérios indícios de um possível traumatismo crânio-encefálico.
E assim, a última noite do ano acabou por ser, também, o último dia da vida de Luís Giovani dos Santos Rodrigues.
A cidade, sobretudo, a comunidade africana e, em particular, a cabo-verdiana, têm vivido os últimos dias mergulhadas em sentimentos de consternação, dor, perda, luto e desilusão.
“Um sentimento de revolta paira no ar, indignação e repúdio nada mas nada justifica um acto de covardia ... ate ainda não s encontra explicação como foi possível ninguém ter ouvido falar sobre o caso visto q Bragança é uma" aldeia grande" onde tudo se fica a saber ... como é possível a polícia ate hj nao ter pronunciado ... é de lamentar como essa cidade se tornou violenta ou talvez ja era mas s encontrava adormecido.. mas é triste uma mãe e um pai deixar o filho vir estudar para um futuro melhor e nunca mais vai ter esse filho nos braços com um futuro promissor, mas vai recebe lo num caixão ....”, pode ler-se numa publicação, entre milhares, na rede social Facebook.
Também a fonte contactada pela Kapital avisa: “o sentimento é de revolta. Se fosse com um branco já estava todo o mundo preso, a polícia já sabe quem é, sabem todos quem são! Está tudo revoltado! Numa noite qualquer, agora, um branco pisa um preto e ele vai pensar que o querem matar e será o suficiente para reagirem de uma forma muito mais violente e isso pode acabar muito mal”.
Com tantos colegas, amigos e conterrâneos da vítima mortal dominados pela revolta, a Associação de Estudantes Africanos em Bragança (AEAB) apela “a toda a comunidade que mantenham a calma, a serenidade, não instigando o espírito de ódio, revolta ou xenofobia”.
Num post partilhado esta sexta-feira à noite na sua página oficial do Facebook, o presidente da AEAB, Wanderley Antunes, confirma que “já foram identificadas algumas testemunhas e alguns dos agressores” e reclama “que a justiça seja feita de forma pacífica dentro da Lei” e “que os respetivos culpados paguem pelo ato bárbaro”.
Também o Instituto Politécnico de Bragança publicou uma “Nota de Luto" pela morte do seu aluno, na qual “apresenta à família e amigos as suas mais sentidas condolências neste momento de dor e consternação”.
“As circunstâncias trágicas que determinaram a morte deste jovem, envolvem toda a comunidade IPB na mais profunda solidariedade com os que lhe são próximos, manifestando a nossa disponibilidade para apoiar a família e o nosso desejo de que todos os factos sejam cabal e inteiramente apurados”, manifesta, determinando “luto académico até à realização das exéquias fúnebres”.
Tratando-se de uma morte, o caso do jovem de 21 anos terá passado, agora, para a alçada da Polícia Judiciária, tendo sido ordenada a realização da autópsia que deverá acontecer durante os próximos dias.