Foi na passada quinta-feira, dia 9 de junho, que os alunos do terceiro ano da Licenciatura de Desporto do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) defrontaram os "jogadores" do Estabelecimento Prisional de Bragança (EPB). No final, ao vencerem por 3 a 1, os reclusos não deixaram qualquer margem para dúvidas, abdicando de si próprios, enquanto indivíduos, em prol do coletivo, impregnando o campo com “sangue, suor e lágrimas” . Uma expressão que, neste caso em concreto, serve para denotar, de forma clara, a entrega, união, conduta e comportamento exemplares de cidadãos que, apesar de estarem privados da liberdade, poderiam quase integrar, enquanto equipa, um qualquer campeonato profissional.
Apelidado de “Torneio de Voleibol”, apesar de se ter tratado de um só jogo, esta iniciativa surgiu no âmbito da Unidade Curricular de Iniciação à Prática Profissional, tendo sido idealizada por Maria Júlia Pesqueira. De acordo com esta jovem professora estagiária de Educação Física, esta competição visa “promover a prática do exercício físico, o convívio e ocupar o tempo livre de forma ativa, saudável e diferente do habitual”.
“Eu, inicialmente, tive a ideia de trazer cá pessoas para darem palestras aos reclusos sobre desporto, mas não foi possível. E depois senti, também, que eles gostam mais da parte prática do que da teórica. Então, pensei fazer um pequeno torneio de voleibol, falei com os meus amigos, eles quiseram e avançámos”, conta a aluna do terceiro ano do Curso de Desporto, que ia ao EP de Bragança “às terças e quintas no papel de professora estagiária”.
Mas o que fazia Júlia Pesqueira com os reclusos? “Dava-lhes a parte teórica, se eles fizessem uma falta, por exemplo, depois, entre eles, jogavam e eu ia-lhes dizendo as faltas, como é que se faz ou não e têm evoluído bastante porque quando cá cheguei faziam muitas faltas e não sabiam muito bem as regras e, agora, vê-se que, ao chegaram ao fim, estão muito evoluídos”, declara a mentora do “torneio” que, apesar de antecipar como certa a vitória, "até porque estamos todos habituados à prática desportiva e eles não”, nem nos seus sonhos mais bizarros “estava à espera desta derrota por 3 a 1”. “Mas é bom sinal! É sinal que eu consegui transmitir bem os ensinamentos”, contrapõe.
Agora, no papel de docente, a aluna do IPB demonstra que os reclusos “estavam super entusiasmados porque eles jogaram como nunca e de alguma forma estou orgulhosa porque convivi bastante com eles”.
Sobre o comportamento exemplar dos presos em campo, Júlia Pesqueira tece um comentário em género de balanço. “Há pessoas que pensam que por estarem aqui os reclusos se vão portar mal, mas desde o início, desde que eu estou aqui, até ao final, o seu comportamento foi sempre cinco estrelas”, elogia a estudante do Politécnico que pretende continuar a organizar este tipo de iniciativas, até porque, depois deste resultado “tão inesperado”, ela e os seus cinco colegas de equipa e de turma, anseiam pela desforra.
Mais que desportiva, esta foi uma vitória do trabalho desenvolvido pelo EP de Bragança no que à reeducação e reinserção diz respeito
Quem, também, tem acompanhado, intimamente, o desenvolvimento dos reclusos, bem como providenciado ferramentas de socialização através da componente desportiva, tem sido Humberto Fernandes, enquanto professor.
“Esta é uma instituição parceira (EPB) do Agrupamento de Escolas Abade de Baçal, assim como o EP de Izeda, temos três turmas aqui, B1, B2 e B3, equivalentes ao 1º, 2º e 3º ciclos e, no fundo, nós apoiamos o ensino e a aprendizagem dos reclusos. Esta vertente desportiva teve início há 7 ou 8 anos e, nestes últimos dois anos, implementámos o voleibol e está a surtir um efeito tremendo”, explica o docente que, “duas vezes por semana” vai ao EPB com o intuito de “orientar as atividades planeadas para o estabelecimento prisional”.
Em virtude da pandemia, os últimos dois anos têm sido “muito limitativos”, manifesta o professor. Contudo, nem a Covid-19 impediu os reclusos de obterem com todo o mérito, diga-se de passagem, uma vitória histórica frente a alunos do ensino superior que pretendem fazer do Desporto uma carreira e um modo de vida. “Estou orgulhoso deles porque hoje jogaram melhor que nunca! Para além de conseguirem ganhar três sets aos alunos do Núcleo de Desporto, tiveram um comportamento exemplar e um desempenho fenomenal”, expressa o docente, visivelmente realizado pelo feito da vitória e do brio com que foi conquistada.
“Dentro do meu horário, eu tenho duas horas, semanalmente, para esta atividade e é com todo o gosto que a faço e, mesmo para os reclusos, é uma mais valia trazer alguém de fora e é uma experiência, para eles e para nós, inclusive, muito enriquecedora”, testemunha Humberto Fernandes que, ao longo dos anos, mais que um orientador ou um professor, tem sido um braço amigo para muitos dos encarcerados.
"...Bragança deve orgulhar-se de ter a cadeia que tem porque é uma cadeia que, a vários níveis, pode ser considerada um exemplo a nível nacional”, Nuno Pires
Quem, também, tem sido, de facto, um “amigo”, não só dos desportistas entre os reclusos, mas de toda a população prisional, tem sido Nuno Pires. Um facto observável por quem o acompanhava, lado a lado, naquela manhã, e via a forma como os reclusos o encaravam, o abordavam e o tratavam. Muitas vezes com questões e pedidos que ele, prontamente, apesar de ocupado, se propunha responder, solucionar e atender.
E começa com um louvor vindo do "homem do leme" que há 38 anos procura fazer a diferença no seio da instituição. “Não é qualquer realização idêntica fora dos muros da cadeia que tem a mesma capacidade de organização, a mesma capacidade de interação e numa relação construtiva e positiva entre todos os intervenientes”, certifica o assessor principal de reeducação que, neste momento, desempenha as funções de adjunto substituto da diretora.
Sobre este “primeiro torneio de voleibol no Estabelecimento Prisional de Bragança”, Nuno Pires é perentório em afirmar que “superou todas as expetativas”. “Foi excelente! Em todos os âmbitos. No domínio desportivo, no domínio da urbanidade entre os reclusos, na interação com os próprios alunos do IPB que muito bem estiveram aqui a ajudar na reinserção e na reeducação da comunidade prisional”, assinala o responsável que enaltece o “comportamento irrepreensível ao mais alto nível” de todos os reclusos, os que jogaram, os que assistiram e “não só entre eles como, também, com todos os que vieram do exterior para este evento desportivo”.
Mas a que se deve este fairplay demonstrado pelos reclusos e que ficou mais que patente neste jogo de voleibol? “No Estabelecimento Prisional de Bragança há uma forma de estar e de interagir com a comunidade em que o humanismo, o respeito, a promoção da educação e a valorização de qualquer área em que o recluso tenha potencial para se desenvolver está sempre em cima da mesa. Assim sendo, o nosso objetivo principal passa por recuperar, reinserir e integrar na sociedade e esses três domínios nós procuramos sempre cumpri-los de alma e coração, vestindo a camisola, o fato de treino, o que for, em prol dos reclusos e Bragança deve orgulhar-se de ter a cadeia que tem porque é uma cadeia que, a vários níveis, pode ser considerada um exemplo a nível nacional”, defende Nuno Pires que, em jeito de farpa, atira: “francamente, esperava mais dos alunos sem, no entanto, querer menosprezá-los até porque estão a terminar o curso e alguns dos reclusos nunca tinham pegado numa bola de voleibol”.
"... o não haver uma má palavra, não haver aqui qualquer ato de agressividade e depois o nível de tolerância e de entreajuda são dignos de registo”, Paula Sobral
Por último, mas não menos importante, a Kapital do NordestE (KNE) entrevistou a diretora do EPB que, no curto espaço inferior a um mês, desde a sua tomada de posse, a 18 de maio, teve já nas suas mãos a capacidade de assinar a autorização que permitiu a realização, em estreia, de uma sessão de risoterapia, integrada no Festival Literário de Bragança e, por último, deste evento desportivo marcado pela aposta segura que é o desporto, enquanto caminho para a socialização e reeducação dos próprios reclusos.
“Somos muito bons, até porque a maior parte destes reclusos nunca antes, muito provavelmente, tinha experienciado o voleibol e vê-os aqui a ganhar a uma equipa de desporto do Politécnico”, começa por sublinhar Paula Sobral, reiterando que “este tipo de iniciativas é que faz sentido”.
Nas palavras da diretora do Estabelecimento Prisional, “por vezes, não se percebe que as pessoas aqui estão só a cumprir uma pena e estão só privadas da liberdade, mas que este é um espaço de socialização e um espaço privilegiado de regresso ao exterior”.
Quanto ao comportamento dos “seus” reclusos, a figura de proa ou o rosto mais visível da instituição destaca “os níveis de entusiasmo, a adesão e a educação com que eles recebem as pessoas, a correção, o não haver uma má palavra, não haver aqui qualquer ato de agressividade e depois o nível de tolerância e de entreajuda são dignos de registo”.
Reconhecendo a “vital importância” deste jogo de voleibol e de outras iniciativas do género, Paula Sobral assegura que este “é um trabalho de equipa” que se prende com “o cumprimento de regras” e, nesse campo, “a aposta está ganha, os resultados estão à vista de todos e vamos continuar”, evidencia a recém-empossada diretora que aproveita, ainda, para tecer rasgados elogios a toda a sua equipa, desde os guardas prisionais ao pessoal administrativo e, em particular, a Nuno Pires pelo seu contributo em trazer à tona o que de melhor tem a população prisional de Bragança.
GALERIA FOTOGRÁFICA & VÍDEO: BMF