Jorge Nunes lançou na semana passada a sua mais recente obra, intitulada “Congressos Transmontanos (1920-2020) – Unir o tempo do passado, do presente e do futuro”, perante uma lotada Sala de Atos do Município de Bragança.
Um livro que procura retratar um século de história, que inclui as quatro edições dos “Congressos Transmontanos”, realizados nos anos de 1920, 1941, 2002 e 2018, e cujos direitos de autor reverteram, integralmente, para o Núcleo Regional do Norte da Delegação de Bragança da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Só no final da apresentação já tinham sido angariados mais de 4200 euros.
“Ao falar dos Congressos Transmontanos, este livro fala das principais preocupações dos ilustres transmontanos que com muita energia, conhecimento e sabedoria se empenharam, ao longo de cem anos, na identificação dos problemas do território, na procura de respostas, apontando soluções muito relevantes para desenvolver a região em áreas tão distintas como a saúde, a agricultura, a indústria e a energia, gente abundante em conhecimento, respeitada no país e cuja voz se fazia ouvir. Gente que, saindo destas terras isoladas e esquecidas, conseguiram, ainda assim, chegar ao topo dos lugares mais respeitados do país”, começa por dizer o autor, também ele transmontano, em entrevista à Kapital do NordestE (KNE).
Jorge Nunes fez questão de “identificar essas pessoas”, de lhes fazer “uma breve nota biográfica”, procedendo, paralelamente, a “um registo descritivo, estatístico”, do que era a região nas mais diversas áreas, aludindo às “acessibilidades, saúde, agricultura, enfim, há uma informação vastíssima e transversal à região que, no fundo, faz o retrato de um século da região”.
“Encontramos congressistas transmontanos que se destacaram muito no país em todas as áreas, gente valente de intrínseco valor e este livro é, também, um livro de identidade, um livro de história e um livro de registo de informação para o futuro”, resume o Comendador, que desempenhou as funções de presidente da câmara municipal de Bragança durante os três mandatos permitidos, de 1998 a 2013.
“Um território com a população em declínio é um território fragilizado na produtividade, na economia, na esperança para o futuro”, Jorge Nunes
Questionado sobre a importância da concretização de um quinto congresso, Jorge Nunes é perentório em responder afirmativamente, até porque, “hoje, a região tem hoje problemas que não tinha no passado. Outros vão-se aprofundando como é o caso da demografia, que não é um problema recente, é um problema de muitas décadas, mas a partir da década de 60, acentuou-se e agravou-se na região de Trás-os-Montes e Alto Douro”.
“Esta região, que representava 8 por cento (%) da população do país, representa hoje 3,5%. Em meio século, perdeu 50% da sua população”, contabiliza o escritor, natural da aldeia de Refoios, no concelho de Bragança, que acredita que “um território com a população em declínio é um território fragilizado na produtividade, na economia, na esperança para o futuro”.
Segundo Jorge Nunes, “é tempo de encarar de frente este problema com políticas regionais e de âmbito nacional que salvem, de forma inequívoca, uma dívida histórica de que a região continua a ser credora. Muito tem sido feito, é verdade, particularmente, no pós 25 de Abril. O terceiro congresso (2002) desencravou a região tem termos de acessibilidades e em menos de uma década foi feita a A4, o IP2 e o IC5. Mas há muitas mais coisas a fazer”.
Mas enquanto uns problemas foram resolvidos, outros têm-se agudizado! É o caso da “estrutura associativa e cooperativa”, aponta o “Cidadão Honorário de Bragança”, que diz estar “absolutamente debilitada, não tem nada a ver com o que existia há 15, 20,30 anos. Estamos muito pior a esse nível. Também a agricultura está mais abandonada, o povo em parte do território está mais empobrecido, mais isolado. Tem serviços, hoje, mais insuficientes do que tinha há uma década ou duas”.
De entre várias situações a exigirem a atenção imediata das autoridades locais e nacionais, a questão demográfica reveste-se de vital importância aos olhos do entrevistado. Tanto assim que quando questionado sobre se o inverno demográfico que se vive é o principal problema com que os transmontanos se deparam atualmente, Jorge Nunes garante, assertivamente, “é inquestionável que sim, esse é o problema número um”.
“É preciso olhar para o território e, de forma firme, dizer ao Governo: nós somos portugueses, nós não podemos só ter o dever de contribuir e pagar para o país, temos, também, o direito de exigir justiça e equidade para este território”, realça.
“…nós assistimos, cada vez mais, a uma litoralização do país, a uma concentração demográfica nos grandes centros urbanos do país”, Hernâni Dias
No papel de anfitrião e responsável pela abertura da sessão, Hernâni Dias esteve, no final, à conversa com a KNE. Sobre a premência de um quinto congresso, o autarca brigantino sustenta que “qualquer fórum de discussão sobre os problemas que atingem a região de Trás-os-Montes e Alto Douro será sempre importante. Estas temáticas estão, constantemente, sobre a mesa, seja num congresso ou não, qualquer modelo é válido e será interessante, desde que produza resultados práticos”. Enquanto presidente de câmara da capital nordestina, evidencia: “estaremos sempre disponíveis para discutir os problemas que mais nos afetam, pois estes devem ser resolvidos no sentido de um desenvolvimento mais consentâneo com aquelas que são as nossas necessidades, já que, no fundo, trata-se de uma questão de justiça para com esta região e, dessa forma, devemos todos dar o nosso contributo”.
Hernâni Dias partilha da opinião do Comendador Jorge Nunes, reconhecendo que, atualmente, “o maior problema na região é a demografia”. Sobre as medidas que poderiam reverter esta escassez populacional, o edil menciona “várias, já identificadas” que, ao serem implementadas “alterariam”, permanentemente, aquela que é a crua realidade da desertificação na região mais a nordeste de Portugal. “Desde logo aquilo que tem a ver com um modelo de desenvolvimento diferente para o país, que apostasse claramente nos territórios do interior, que se baseasse nas questões económicas e sociais, com a deslocalização de serviços para a região e, depois, há a questão dos impostos, em que deveriam ser atribuídos benefícios fiscais às populações do interior”, defende o responsável político na cidade capital de distrito, que considera basilar “a capacidade de fixar pessoas, de gerar emprego, de gerar riqueza”.
“O que, verdadeiramente, acontece no litoral, hoje, é o chamamento irresistível das oportunidades de emprego, sendo que nós assistimos, cada vez mais, a uma litoralização do país, a uma concentração demográfica nos grandes centros urbanos do país”, expõe o autarca, referindo-se às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que contabilizam “quase 60 por cento da população, numa altura em que apenas 30 concelhos, a nível nacional, concentram a esmagadora maioria da população do país”.
“…que do inverno demográfico possa surgir a primavera demográfica que é o maior desafio para a nossa região”, D. José Cordeiro
Entre as várias personalidades convidadas, civis, institucionais e religiosas, para além do edil brigantino, Hernâni Dias, destaque para a presença de Jorge Fidalgo, o presidente da Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes que, aliás, foi a entidade promotora da sessão de apresentação da obra, e de Fernando de Sousa, investigador e coordenador do Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
Outro dos convidados de honra, o quarto e último elemento da mesa, vindo propositadamente de Bracara Augusta, a capital do Minho, foi o Arcebispo Metropolita de Braga. “Existem alguns convites os quais nós não podemos recusar, a não ser que haja um motivo grave de saúde ou algo inesperado. Já antes da minha ida para Braga, o engenheiro Jorge Nunes tinha-me lançado este desafio e proporcionado, também, a leitura do seu mais recente livro sobre os Congressos Transmontanos”, assinala D. José Cordeiro, que sentiu “o dever de estar presente“, tendo para tal de “reconfigurar a agenda” que admite, “neste primeiro tempo do exercício do ministério pastoral em Braga, é bastante difícil de articular”.
Contudo, apesar da viagem e da distância implícita, o prelado que, durante mais de uma década, liderou os destinos da Diocese de Bragança-Miranda, fica “feliz com o que hoje se passou aqui em Bragança e o título feliz que o engenheiro Jorge Nunes deu ao livro, unir o passado, presente e futuro, faz-nos centrar no presente como diz Santo Agostinho, é o presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes e o presente das coisas futuras”.
No pensamento do Homem que, a 3 de dezembro, foi designado pelo Papa Francisco como o novo Arcebispo de Braga, reside a urgência de um quinto Congresso Transmontano. “Este é um contributo enorme no apelo a um quinto congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro e, também, que do inverno demográfico possa surgir a primavera demográfica que é o maior desafio para a nossa região”, assume, esperançoso, D. José Cordeiro, que confessa já ter lido, avidamente, o livro, destacando que, “para além dos textos, da narrativa ao redor dos quatro congressos, nestes cem anos houve um vasto conjunto de pessoas ligados às artes, à cultura, ao mundo académico, ao mundo empresarial, ao mundo autárquico e a outras dimensões da vida da sociedade que o engenheiro Jorge Nunes convocou para este livro, tornando-o, ainda, mais enriquecedor”.
Aquele que já foi o mais jovem bispo de Portugal sublinha, ainda, “o gesto, de participar na construção do bem comum, na cultura do encontro, dando os direitos de autor à Liga Portuguesa Contra o Cancro, é um ato de solidariedade, nobre por si só e, também, de rasgo dos horizontes de esperança para tudo o que fazemos seja parte deste desenvolvimento integral e integrado”.
Sobre a escolha da Liga Portuguesa Contra o Cancro como a destinatária das receitas obtidas através da venda do livro “Congressos Transmontanos (1920-2020) – Unir o tempo do passado, do presente e do futuro”, Jorge Nunes considera tratar-se de uma instituição “com muitos voluntários em todo o país, sempre disponível para ajudar aqueles que sofrem e há muita gente digna que sofre com o cancro sem recursos para financiarem qualquer tratamento”. Terá sido essa “a razão fundamental” da sua escolha de carácter solidário, sendo que, nos dois livros anteriores, o autor procedeu, também, à doação benemérita dos direitos de autor.
Em suma, de uma obra que se propôs conceber um epítome das quatro edições, os “Congressos Transmontanos” levam-nos a crer que despontaram com a crença plena de dar voz ao interior, de responderem aos anseios de transmontano e durienses. Congressos esses onde se procurou sempre, através das mentes e do estatuto dos representantes eleitos e não eleitos do povo, personalidades inigualáveis nos seus campos, fosse a nível local, regional e nacional, apresentar soluções concretas para muitos dos problemas que, amiúde, grassaram durante quase um século. Facto é que, embrenhados na luta e empenhados na notabilidade da conquista, se conseguiram relevantes e consideráveis reivindicações para o território. Êxitos no passado, alguns retumbantes, que permitiram às gerações vindouras um presente e um futuro um pouco mais risonho.