1ª Marcha do Orgulho LGBTIQ+ de Bragança - “Love is a Human Right”
REPORTAGEM: Bragança em modo rosa choque
Quase centena e meia de pessoas oriundas de cidades como Lisboa, Porto, Braga e Salamanca fizeram da 1ª Marcha do Orgulho um sucesso, numa clara manifestação de apoio e solidariedade à comunidade LGBTIQ da capital nordestina.
Em Bragança, cidade considerada por muitos como sendo conservadora, teve lugar um evento inédito que possa, talvez, ter irrompido em modo rosa choque e talvez até rasgado mentalidades de alguns anciãos desta aldeia global, ainda, intrinsecamente ligados aos modos, costumes e tradições dos nossos antepassados.
Numa clara atitude intervencionista, mas sempre pacífica, o Movimento LGBTIQ de Bragança, sigla que representa a comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Intersexuais e Queers, pretendeu com esta 1ª Marcha do Orgulho defender a igualdade de direitos e a liberdade individual, promovendo a diversidade e o respeito entre todos os seres humanos, apesar da orientação sexual ou identidade de género de cada qual. Manifestantes, pessoas que, no fundo, só querem ser iguais perante a sociedade, de forma a poderem manifestar livremente sentimentos como o amor.
Foi este sábado, dia 19 de maio, de 2018, que esta cidade do interior norte abriu as suas portas para representar o papel de anfitriã de cidadãs e cidadãos oriundos de metrópoles tão distintas como Lisboa, Porto, Braga, Vila Real e, inclusive, da vizinha Espanha, de cidades como Salamanca que vieram a Bragança desejosas de cooperarem com o movimento LGTBIQ brigantino que dá, ainda, os seus primeiros passos. Angel Martin foi um de “nuestros hermanos” que fez questão de vir, ciente das dificuldades de quem, apenas, “quer expressar a sua sexualidade com o seu par nas ruas, sobretudo, se se tratar de uma terra pequena”. “Sabemos que não podemos viver na rua tão livremente como se estivéssemos em cidades como Barcelona, Madrid ou Lisboa e daí a importância de marchas como esta numa localidade como Bragança”, sublinhou o jovem espanhol que veio, propositadamente, a esta marcha apoiar os seus “irmãos de armas”.
Perante o olhar atento e, por vezes, incrédulo, de dezenas de brigantinos que, do passeio que contorna o Instituto Politécnico, seguiam curiosos toda e qualquer movimentação, os participantes iam-se aglomerando na entrada da Escola Superior de Educação (ESE), até ao ponto de se terem reunido quase centena e meia de manifestantes. No entanto, a representar Bragança estava, apenas, uma pequena minoria. “Hoje até podia ser uma grande festa, mas amanhã as pessoas têm de ir trabalhar, amanhã têm de encarar a família ou mesmo os colegas e eu percebo que não seja fácil para essas pessoas hoje virem aqui manifestar-se, mas estamos aqui nós por eles também”, advogou Sara Canteira, em defesa daqueles que, por motivos vários, não puderam comparecer, apesar da vontade de quererem fazê-lo. A principal responsável pela iniciativa, a jovem estudante de 24 anos do curso de Animação e Produção Artística fala mesmo em “medo” e daí a "importância desta marcha para as pessoas que queiram sair e tenham medo, agora percebam que há estas pessoas todas que as apoiam”, defende.
“Muito tenho a dizer sobre o que se passou neste grande, lindo e maravilhoso dia 19 em Bragança! Mas penso que qualquer palavra que pudesse escrever sobre isso, nunca faria justiça àquilo que sinto”, Sara Canteiro in facebook.
Também Higor Góis, vindo do Paraná, estudante de mestrado em Tecnologia Ambiental e no seu primeiro ano em Portugal, reconhece o medo e a importância do movimento. “A verdade é que a gente tenta não se expor devido ao medo e antes de virmos para cá nos falaram cuidado que é uma cidade conservadora e hoje é a primeira vez que isso vai acontecer, que nos vamos expor”, revelou, emocionado, o aluno oriundo do Brasil, compreendendo que “é um movimento muito importante para a cidade e estamos aí para lutar”.
Marcado o encontro para as 15 horas, foi por volta das 15h30 que Sara canteiro, estudante do Politécnico, abriu as hostes discursivas. Seguiram-se diversas intervenções como a do representante do Bloco de Esquerda, mas aquela que ficará na memória de todos foi a de Eulália Almeida, uma senhora que aos 60 anos descobriu que a orientação sexual do filho era diferente daquela que, enquanto mãe, havia sonhado e desejado para aquele que outrora fora o seu pequeno rebento. (ver história completa em “Testemunho de uma Mãe”)
Para além do Bloco de Esquerda, também a Juventude Socialista (JS) de Bragança quis manifestar o seu apoio incondicional a esta iniciativa. Presente esteve o seu representante, Paulo Lopes, que se assumiu como um defensor de causas. “Onde a liberdade estiver em causa e for uma batalha política, a JS estará presente. Estamos aqui numa participação pacífica, de abertura de mentalidades, de alargamento de horizontes, de perceber que em Portugal nós somos livre de fazermos aquilo que queremos desde que não haja uma interferência com a liberdade do próximo”, sustentou.
Quanto ao percurso, a marcha arrancou da ESE, atravessou a Avenida Sá Carneiro, passando em frente ao Teatro Municipal e aos Correios, descendo, depois, a Rua Almirante Reis, para terminar no centro nevrálgico da cidade, mais concretamente, na Praça da Sé, em frente à Igreja com o mesmo nome, sempre sob a proteção diligente e vigilante das autoridades. Não tanto com receio dos potenciais excessos dos manifestantes, mas, sobretudo, numa atitude de prevenção caso algum cidadão mais zeloso do passado quisesse tentar impedir o presente de algo tão denominador comum como a expressão da própria individualidade.
Coletivos, comunidades e movimentos como Somos Blergh, Amplos, rede ex aequo, Catarse / Movimento Social, Projeto Identidade, PortugalGay.pt e Marcha do Orgulho LGBT Porto ajudaram à festa multicolor que faz do arco-íris a sua assumida bandeira da diversidade.
“Esta marcha é importante não só para demonstrar que o ódio e o preconceito não devem ser aceites, mas sim confrontados, questionados constantemente... Este tema diz respeito aos direitos humanos, e apesar de estar consagrado na constituição da república portuguesa, sabemos que a prática muitas vezes não coincide com a teoria, por isso marchamos”, Bárbara Sousa in facebook.
Após a Marcha, teve início o Sarau que começou às 18h30 no jardim do Museu do Abade de Baçal. Cantado o hino criado pelo Movimento LGBTIQ de Bragança, decorreu um espetáculo de transformismo, terminando o dia com a singular atuação do Fado Bicha.
Depois de Vila Real ter organizado, em 2017, a primeira marcha do género em Trás-os-Montes, Bragança seguiu-lhe o exemplo reivindicativo de uma manifestação que procura alertar para os episódios ainda hoje recorrentes de homofobia velada e a necessidade de combater o desconhecido com informação, pois "é a ignorância que gera o preconceito", lia-se num dos cartazes.
Elogiado foi o "excelente trabalho" que tem vindo a ser desenvolvido pelo Movimento LGBTIQ de Bragança que culminou, agora, na 1ª Marcha do Orgulho. Criado há cerca de um ano, este grupo informal visa apoiar estudantes das escolas secundárias, jovens e o resto da população da cidade, até porque muitas pessoas, reitera Sara Canteiro, vivem escondidas “não por escolha, mas por medo”. “
No final, fica a nota que a Marcha do Orgulho que tanta poeira levantou e que até a Assembleia Municipal marcou, preocupando certas individualidades da cidade, afinal, é de louvar que a mesma tenha marcado, não pelo ridículo como muitos fundamentalistas temiam, mas sim por uma coerência salutar que até fez de Bragança notícia por bons motivos a nível nacional. Na memória, a recordação, e no momento, a declamação da luta que continua…
"Marchamos por todos aqueles que não o podem fazer. Marchamos por todos aqueles que morreram ao tentar fazê-lo".
O TESTEMUNHO DE UMA MÃE / Eulália Almeida. Porto (Amplos)
“Uma mãe sem nada! O mundo tinha desabado sobre mim…”
“O meu filho tirou o curso e saiu de Portugal, naquela onda de ganhar mais dinheiro porque o país não correspondia às expetativas dele. Foi para Colónia, uma cidade na Alemanha e deixou em casa o computador portátil e eu olhava para aquilo, não percebia nada de redes sociais, comprei um livro e comecei a aprender sozinha. Nunca desconfiei de nada. Um dia, quando já percebia mais de computadores, abri um site que dizia Foster Riviera e esse nome chamou-me a atenção porque Foster era o nome de uma artista que eu e ele adorávamos, a Jodie Foster, e Riviera foi onde ele nasceu. Eu abri esse site e a primeira coisa que eu vi foi a fotografia do meu filho como artista porno. Eram quatro da manhã e a casa caiu em cima de mim. Deitei-me, não conseguia dormir. A minha atitude foi mandar-lhe uma mensagem de repúdio a dizer que ele me tinha enganado, que tinha investido toda a minha vida nele e que, naquele momento, sentia-me uma mãe frustrada, uma mãe sem nada, o mundo tinha desabado sobre mim! E ele bloqueou-me, quer nas redes socias, que no telemóvel. Estive seis meses sem conseguir contatá-lo, até que, nos meses seguintes, eu decidi reeducar-me. Fui aprender o que era verdadeiramente a sexualidade, o que era ser artista porno, porque eu queria enfrentar o meu filho cara a cara, mas eu queria levar perguntas, queria obter respostas e então resolvi ir ter com ele. E quando lá cheguei, as perguntas caíram por terra, abracei-o só e o meu coração de mãe sentiu naquela hora que ele era feliz, que tinha centenas de amigos, e foi aí que eu resolvi não estragar a vida ao meu filho. Pensei, eu é que sou a mãe, eu é que tenho de sair do armário. Ele é feliz e eu vou estar feliz por ele. E, desde essa altura, tenho uma relação com ele como nunca tive. De compreensão e felicidade.”