Na ausência dos donos, um cão já adulto, prendeu o pescoço por entre o portão de metal que serve de entrada à habitação. Sem conseguir libertar-se e à medida que as horas iam passando, o desalento começou, naturalmente, a tomar de assalto o canídeo. Até porque, da forma como ficou preso, tão pouco se podia deitar e descansar, tão pouco podia beber ou comer. E o desespero deve ter sido tão avassalador que, para além das marcas bem visíveis no pescoço, o que mais impressionava mesmo era o piso manchado a vermelho tinto, de tanto arranhar e raspar as almofadas das patas, na vã tentativa de se tentar libertar. Enfim. Seria uma questão de horas até o boxer, de nome Nero, se entregar ao cansaço, até porque seria bem mais fácil desistir…
Mas aquela não era a sua hora. Nesse dia, felizmente, a sorte do amanhecer acabaria por sorrir-lhe com a chegada de Humberto Rodrigues que, ao aperceber-se do sofrimento atroz por que passava aquele que é considerado o “melhor amigo do homem”, terá alertado a PSP. "Estive sempre a acariciá-lo, ainda tentei ajudar a tirar a cabeça das argolas, mas era impossível para mim sem ferramentas próprias. Daí eu ter ligado para a PSP a pedir ajuda", relata. Por sua vez, os agentes decidiram chamar os Bombeiros que encetaram uma operação de salvamento que envolveu dois elementos, um veículo de desencarceramento e equipamento técnico.
“Ao chegarmos verificámos que o cão estava preso pelo pescoço, numa argola do portão, numa estrutura fixa”, começou por descrever um dos bombeiros que respondeu à chamada. Nas palavras de Paulo Ferro, “notava-se o cansaço no animal e algum desespero, mas tivemos de aguardar pela veterinária para o cão ser sedado e, assim, procedermos à sua libertação sem magoar o animal”. Acompanhado por Ricardo Trindade, bombeiro há seis anos e também ele um conhecido defensor dos animais, o Adjunto do Comando sublinha o facto do Nero "mal conseguir descansar”. “Já tinha feito algumas hemorragias nas almofadas que tem nas patas do desgaste de se tentar libertar daquela prisão pelo pescoço”, descreve Paulo Ferro, bombeiro experiente de há 15 anos, feitos em maio.
Já com a chegada da veterinária, o animal foi sedado, tendo a operação de resgate demorado cerca de 20 a 25 minutos. Mas nem tudo correu tranquilamente. Ao surtir efeito o sedativo, o cão começou a ceder à sonolência. Foi quando o grupo de seres humanos, na verdadeira aceção da palavra, constatou que o peso do próprio corpo poderia ser um problema, pois caso a intervenção demorasse o cão poderia sucumbir à asfixia. “A anestesia, ao começar a fazer efeito, antevemos que poderia dificultar um bocado as operações, pois o próprio peso do animal poderia acabar por sufocá-lo”, relembra Paulo Ferro, justificando que o decorrer dos acontecimentos levou a que os bombeiros tivessem que recorrer a equipamento elétrico usado nos acidentes rodoviários, de forma a remover o metal ao redor do cão o “mais rápido possível para garantirmos alguma estabilidade no seu estado clínico”.
Ao que parece, Nero foi, depois, para a Clínica Veterinária de Vale d` Álvaro, onde acabaria por recuperar totalmente, quer da sedação, quer das feridas das patas e do pescoço.
Do cão, a destacar a resiliência que, pela quantidade de sangue no pavimento, foi mais que imensa. Os heróis, desta vez, foram Humberto Rodrigues, a PSP, os bombeiros, os cantoneiros e a veterinária que, em uníssono, combinaram esforços com o intuito de salvar uma vida, não de um mero cão, mas de um ser sensível, inteligente e hoje, mais que nunca, com direitos.
RESPEITO.
TEXTO: Leandra Lícia e Bruno Mateus Filena