A pandemia da covid-19 roubou os refúgios da solidão àqueles que tinham na soleira da porta ou no banco da rua os poucos momentos de convívio nas envelhecidas e isoladas aldeias transmontanas.
Nunca as aldeias estiveram tão cheias e os velhos tão sós num dilema que aumenta a preocupação das autoridades com os que se refugiam nas origens por estes dias e em que é preciso ficar em casa, mas “ficar em casa, mata” os que por lá vivem em permanente solidão.
“Aldeias vazias, as pessoas fechadas em casa, uma tristeza” são os relatos que chegaram à Lusa de várias localidades do Nordeste Transmontano, onde a população é maioritariamente idosa e faz parte do grupo de risco do novo coronavírus.
Se é difícil para toda a gente este isolamento forçado, para as pessoas que vivem permanentemente isoladas ainda é mais, como observou à Lusa Manuel Mico, presidente da junta de freguesia de Vilarinho de Agrochão, em Macedo de Cavaleiros.
“Encontrei um senhor que me disse que o pai estava a chorar em casa e a dizer que chegou a vez dele”, contou.
Os idosos “tinham aquela coisa de se sentar nos bancos ao sol e agora não” podem, porque as medidas de contenção da pandemia proíbem ajuntamentos e impõem o isolamento social, sobretudo aos grupos de risco como os mais velhos.
“Há freguesias onde ainda há gente nova que olha por eles, mas há outras, como por exemplo a da minha mãe, onde é arrepiante, a pessoa mais nova é ela e tem 70 anos. Nestas pequenas localidades podem ficar ainda mais isolados”, alertou.
Se a situação “se mantiver muito tempo”, Manuel Mico diz que “vai ser pior porque não há uma varinha mágica e não se pode lá ir (às aldeias), mas ao mesmo tempo estamos a deixar as pessoas isoladas dias inteiros”.
“Não é fácil para eles, estavam habituados às rotinas”, desabafou. Os que ainda têm mobilidade vão para o campo, mesmo não tendo nada para fazer para se distrair, outros consomem-se porque é a altura de fazer as sementeiras e não podem “semear as batatas, o feijão”.
Acresce que, dantes quando viam uma ambulância a preocupação era com o conterrâneo que poderia estar doente e agora “ficam em pânico porque já pode ser” a nova doença.
“Nos nossos meios que estão despovoados, isto mete medo”, desabafou o autarca que tenta olhar por todos, tem a mãe e um tio de 90 anos nesta condição de isolamento e precisa de explicar todos os dias que agora não pode haver reencontros.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 360 mil pessoas em todo o mundo, das quais cerca de 17.000 morreram
Fechados em casa, torna-se mais difícil saberem uns dos outros e aumenta a preocupação com casos como o que aconteceu, no sábado, em São Martinho de Angueira, Miranda do Douro, onde o pão que se mantinha pendurado na porta levou à descoberta de um idoso que morreu sozinho em casa.
Á Lusa chegaram testemunhos de várias aldeias do distrito de Bragança “vazias” porque as pessoas têm “tanto medo de contrair o vírus que se fecham em casa”.
“É uma tristeza”, desabafou Ângela Ferreira sobre o que se passa no Carvalhal e Felgar, em Torre de Moncorvo.
Orlando Nascimento é vendedor ambulante e o que tem constatado há vários dias por aldeias de Bragança, Vimioso, Vinhais, Macedo de Cavaleiros e Mirandela é que “estão desertas, com as pessoas a seguirem as recomendações, cafés e pequenas mercearias fechados”.
“Cá estamos metidos em casa. É assustador, mas há de correr tudo”, contou Julieta Sacras, da aldeia de Ligares, em Freixo de Espada à Cinta, onde Laura Remoaldo tem um minimercado e também assegura que todos “estão a cumprir o seu dever e as ruas desertas”, embora “lá apareça um outro a arejar”.
Nas aldeias de Parada/Faílde, em Bragança, é a própria freguesia que dá conta de que “as pessoas podem estar apreensivas, assustadas, mas calmas e cumpridoras”. Os cafés estão fechados e dois pequenos comércios na aldeia de Parada asseguram o abastecimento à população, evitando que se desloquem à cidade.
Os relatos dos primeiros dias de convívios, ajuntamentos para a sueca, cervejas no café e abraços de emigrantes vão sendo combatidos com o aumento da censura social e atuação das autoridades, embora se mantenham as preocupações com o regresso daqueles que procuram a terra para fugir à pandemia.
De Miranda do Douro chega o alerta de Carlos Ferreira para que as autoridades pensem nos idosos das aldeias que ainda manuseiam mal a ferramenta da Internet e, por isso, ficam excluídos da maior quantidade de informação sobre a pandemia que chega através das redes sociais.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.
TEXTO: Helena Fidalgo
FOTOGRAFIA: BMF