A milhares de quilómetros da Ucrânia, o sossego que Lana encontrou em Bragança foi interrompido pela guerra que entra porta dentro nas notícias e se torna real na chegada da cunhada e sobrinhos à procura de refúgio.
“Aqui é mais fácil resolver tudo, mas até acabar a guerra não podemos viver bem”, desabafou à Lusa esta ucraniana que, em seis anos em Bragança, já tem “um salão (de estética) próprio, um apartamento” e já é portuguesa, com a dupla nacionalidade formalizada.
Lana, o marido e dois filhos procuraram em Portugal estabilidade e trabalho, depois do conflito de 2014 na Ucrânia, e acolhem agora a cunhada e os sobrinhos em fuga desta guerra que dizem “é mais aflitiva” porque “ninguém estava à espera”.
Maria, de 35 anos, e os dois filhos, um menino de 10 anos e uma menina de 7, chegaram a Bragança na segunda-feira, vindos de Dnipro, uma cidade no centro leste da Ucrânia, a oito horas de viagem da capital Kiev.
A viagem desta família durou quatro dias, desde que Maria entrou com os filhos num autocarro, a 11 de março, “em direção à União Europeia”, passando pela Polónia, Alemanha, França e Espanha, onde o cunhado a foi buscar, a Salamanca, e conduziu a família até Bragança.
É a primeira vez que Maria viaja e sai da Ucrânia para fugir da “situação horrível” do país, onde, diz, “os russos estão a arrasar tudo, com as pessoas dentro dos edifícios”.
Na cidade de onde veio, os efeitos da guerra já eram notórios, com tudo fechado, onde as compras se limitavam a comida, mas os bombardeamentos só chegaram no dia seguinte à partida e soube deles através das notícias, quando atravessava a Polónia de autocarro.
Ao longo da viagem, destaca o apoio permanente das organizações humanitárias como a Cruz Vermelha.
“Ajudou-nos em todo o lado, fomos sempre bem tratados”, vincou.
A viagem foi cansativa, mas Maria não tinha outra opção, como contou à Lusa, no salão da cunhada, onde Lana está em permanente agitação de olhos postos no televisor e no telemóvel em busca de notícias da Ucrânia.
O marido de Lana foi o primeiro da família a chegar a Bragança para não integrar o exército local que se formara depois do conflito de 2014, em que a cidade onde viviam recebeu os refugiados de Donbass.
“Eram filas de gente, com malas, crianças, sem nada”, recordou Lana que, nessa altura, perdeu as lojas que tinha na Ucrânia e acabou por se juntar ao marido, com os filhos, em Bragança, onde vive bem, mas não consegue ter sossego a pensar no que se passa na Ucrânia.
“Como é que as pessoas vivem sem comida, sem água?”, questiona-se, para lançar nova interrogação: “Agora todo o mundo dá apoio, mas não podem acabar com a guerra? Eu não entendo isso”.
Na Ucrânia tem a mãe e a avó de 90 anos acamada, que não consegue trazer para Portugal devido à condição da avó que também se recusa a deixar a casa no país dela.
Lana está “no limite” com as perguntas das clientes e mais “doente” fica quando ouve a típica expressão portuguesa de preocupação “estás bem?”, que soa de maneira diferente para ela.
“Como é que posso estar bem?”, responde, dividida entre as preocupações de lá e as alegrias de cá, agora que já tem “dois passaportes” por ter conseguido a nacionalidade portuguesa.
Nos últimos anos, a autorização de residência obrigava a renovações de dois em dois anos com custos de 200 euros por pessoa, como explicou à Lusa Fátima Castanheira, que há 12 anos lida com imigrantes e refugiados, em Bragança.
Voluntária nos Serviços Diocesanos para as Migrações e Minorias Étnicas, esta professora tem também ajudado os que chegam a aprenderam a língua portuguesa, no âmbito do projeto “Português de Acolhimento” do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia.
No momento, não há nenhum ucraniano na turma com 21 nacionalidades, a maioria estudantes do Instituto Politécnico de Bragança - que tem alunos de mais de 60 países - mas também imigrantes e até vítimas de violência doméstica acolhidas em Portugal.
Este trabalho do ensino do português e dos serviços diocesanos é feito em articulação com várias instituições estatais e organizações de solidariedade na procura das respostas necessários, incluindo trabalho.
Alguns dos que são apoiados na integração através da língua acabam por ser voluntários, como a espanhola Susana Barrajon, que casou com um português e se dedica agora a ajudar a acolher quem chega.
A ucraniana Maria poderá ser a próxima a integrar a turma, se for essa a sua vontade, faltando apenas a atribuição por parte do Estado português do Número de Identificação Fiscal (NIF) para regularizar a situação dela e dos filhos, que já estão numa das escolas de Bragança.
Maria quer voltar à Ucrânia “se terminar a guerra” e Fátima Castanheira acredita que aqueles que chegarem nesta vaga a Portugal não vão ficar, como aconteceu há alguns anos, em que havia muitas famílias de ucraniano em Bragança.
Agora são poucas, “uma dez ou onze” e nos últimos dias também foram poucos os que chegaram à região de Bragança.
Os que agora chegam vão para junto de familiares e os que já foram embora procuraram outras zonas de Portugal, “porque em Bragança não há muitas oportunidades”.
Ainda assim, Fátima garante que os ucranianos que estão em Bragança “têm todos sucesso”, ou no próprio negócio ou em empresas locais.
“O que têm sai-lhes do corpo, gostam de ter o melhor e esforçam-se, trabalham para isso”, salientou.
Os anos de trabalho com os migrantes evidenciam que “as guerras são sempre marcantes”, embora haja casos “muito mais dramáticos que outros”.
Fátima não esquece o menino de 11 anos refugiado da Guiné, que tem agora 20 anos, trabalha na construção civil e “nunca brincou, nunca teve família”.
Ou um dos sírios que foi operado a um braço para retirar vestígios das balas da guerra de que fugiu há anos.
REPORTAGEM: Helena Fidalgo
FOTOGRAFIA: Cidade de Dnipro