FACTOS
Entrevistado: Ricardo Dobrões aka Trip Dtos
Naturalidade: Santa Comba da Vilariça
Idade: 33
Data de nascimento: 02 - 10 - 87
Residência: Vila Flor
Ocupação/Profissão: Pintor/tatuador
Hobbies: Escultura
Signo: Balança
Cor: Preto
Música: Hip-hop
Livro: Livre-arbítrio de Allen Halloween
Artista: Vários
Inspiração: O que me rodeia tem alguma influência
Série televisiva: Dragon Ball
Desporto: Futebol
Clube: SLB
Filme: Saw
Carne ou peixe: Sou transmontano, carne com certeza
Salgado ou picante: Salgado
Comida: A da minha mãe.
Sobremesa: Quase todas
INTRO
Ricardo Dobrões also known as (aka) Trip Dtos deu início às suas primeiras incursões com spray de 2001 a 2003, mas só quando foi para o Porto, em 2006, é que começou a pintar com maior frequência. Foi aí que, em 2007, conheceu os membros do DTOS, tendo decidido, então, entrar para a crew para nunca mais parar de pintar.
Mas, foi só em 2014, que o artista transmontano começou a viver, única e exclusivamente, da pintura e da tatuagem. Algo que tem conseguido manter com bastante êxito, diga-se. até aos dias de hoje.
ENTREVISTA
Kapital do NordestE (KNE): Quando e como surgiu o amor pela arte?
Trip Dtos: Não sei quando, nem como nasceu, sei que sempre gostei de ver graffitis em revistas, videoclips e ficava colado nas formas e cores que as letras tinham.
KNE: Saber desenhar sempre foi algo natural em ti?
Trip Dtos: Sim! Desde que me conheço que sempre desenhei e pintei.
KNE: É preciso saber desenhar para fazer graffiti?
Trip Dtos: Sim, é preciso ter alguma noção básica de desenho.
KNE: Quando é que tiveste consciência de que a street art seria algo que quererias para o teu futuro?
Trip Dtos: Com uns 13, 14 anos, lembro-me de dizer ao meu pai que gostava de viver de graffiti, ao que ele respondeu que graffiti não era uma profissão, poderia ser um hobbie, mas nunca uma profissão. O que era normal em 2001, 2002. Nessa altura, viver de graffiti era uma utopia e ainda não havia street art. Sempre tentei fazer disso vida, mas, só em 2014, é que me foi possível tornar esse sonho realidade.
KNE: Consegue-se viver em Portugal, nomeadamente, no interior norte do país, enquanto artista?
Trip Dtos: Sim, é possível. Complicado, mas possível!
KNE: Já fizeste vários trabalhos. Se tivesses de destacar três, quais seriam?
Trip Dtos: Enquanto artista, tenho vários trabalhos que, ao longo do meu percurso, foram importantes para mim, mas o que teve mais impacto foi o realizar do videoclip do tema "Família Malícia" que fiz para os Dealema em 2011 e que, passados três anos, foi tornado o vídeo oficial da música. Destaco, também, o trabalho que fiz para os Caretos de Podence e, mais recentemente, o campo de basquetebol que pintei em Torre de Moncorvo para a Federação Portuguesa de Basquetebol.
“Posso ir buscar inspiração a uma música, a uma frase, até às cores das minhas sapatilhas…”
KNE: Qual o tipo de graffiti que tu mais gostas de fazer? Isto é, que temas gostas mais de pintar?
Trip Dtos: Gosto de pintar personagens. Regra geral, temas relacionados com graffiti e street life.
KNE: Quais as superfícies onde mais gostas de pintar e porquê?
Trip Dtos: Gosto de pintar em qualquer tipo de superfície, desde que seja lisa, de preferência.
KNE: Como é que definirias o teu estilo enquanto graffiti artist?
Trip Dtos: O meu estilo é mais fazer personagens com um estilo meio BD (banda desenhada) ou 3D (Estilo tridimensional, baseado num trabalho de brilho / sombra das letras).
Já enquanto pintor de murais/street art não tenho um estilo definido, tento ser versátil para agradar ao cliente em cada trabalho que faço. Aliás, como o mercado em Trás-os-Montes é muito reduzido sou obrigado a fazer de tudo um pouco.
KNE: O que é que te inspira nos dias que correm?
Trip Dtos: É relativo, tudo o que me rodeia tem influência no que faço. Posso ir buscar inspiração a uma música, a uma frase, até às cores das minhas sapatilhas (risos).
“A verdade é que nem sempre fazemos o que gostamos, mas é trabalho…”
KNE: Consideras que, hoje em dia, a street art já é valorizada em Portugal?
Trip Dtos: A street art, em Portugal, já começa a ser valorizada, devido ao facto de termos grandes nomes em Portugal reconhecidos lá fora como é o caso do Vhils ou do Odeth, o que ajuda a que a street art, em geral, seja valorizada.
KNE: Atualmente, existem vários festivais de street art, algo que não acontecia no passado. O que é que mudou?
Trip Dtos: No passado, não havia o conceito de street art. Existia o graffiti, que não era bem visto pela sociedade. Com o aparecimento do conceito street art, mudou a opinião da sociedade em relação às pinturas de paredes, o que permitiu a artistas, não só do graffiti, mas também a artistas que não conseguiam ter espaço em galerias, terem espaço nas ruas para mostrarem e comercializarem o seu trabalho. A arte nas paredes deixou de ser vista como vandalismo e começou a ser vista como algo comercializável, daí o aparecimento de tantos festivais de street art.
KNE: Se te convidarem para um festival e te pedirem um graffiti com o qual não concordes ou não te sintas à vontade, como reages? Isso já aconteceu? Não estares completamente de acordo com o que te pedem…
Trip Dtos: Regra geral, em festivais, faço o que me apetece dentro do tema que me dão. No entanto, com trabalhos sim, isso já me aconteceu. Contudo, tento sempre dar a volta ao cliente. A verdade é que nem sempre fazemos o que gostamos, mas é trabalho.
Agora, se vir que não concordo, de todo, com a ideia ou com o trabalho, simplesmente, não o aceito.
KNE: O que é que tu nunca, jamais, desenharias num local público?
Trip Dtos: Acho que não tenho esse limite. Penso que a arte não deve ter esse limite.
KNE: Qual seria o teu projeto de sonho? O que é que gostarias de desenhar e onde?
Trip Dtos: Nunca pensei muito nisso. Mas acho que o meu projeto de sonho não passa por pintar algo em determinado local, mas antes tornar possível que a minha crew pudesse viver de graffiti ou, então, algo relacionado com a cultura hip hop.
Covid-19: “A arte, sobreviverá sim, até porque já passou por períodos bem mais conturbados. Já os artistas, não sei se sobreviverão…”
KNE: Qual é o trabalho que mais te enche de orgulho?
Trip Dtos: Tenho alguns de que me orgulho de ter feito. A nível pessoal foi o videoclip que fiz para os Dealema como já referi. Mas, também, me enche de orgulho um dos últimos festivais em que participei e cuja fotografia envio para servir de capa da entrevista.
KNE: Para além do graffiti, também és tatuador. Há quanto tempo e como é que surgiu o gosto pelas tatuagens?
Trip Dtos: Tatuo há cerca de seis anos e surgiu como forma de colmatar os tempos mortos nas pinturas, através de um colega tatuador que me desafiou a experimentar tatuar.
KNE: Apesar de, também, ser considerada uma arte, a tatuagem é, para ti, uma paixão como o graffiti?
Trip Dtos: Não! Graffiti é outra coisa, por mais que goste de tatuar…
KNE: Se tivesses de escolher entre uma e outra qual escolherias?
Trip Dtos: Graffiti, sem dúvida. Atualmente, encontro-me nesse impasse, pois tenho loja fechada por ter inúmeras pinturas para fazer e é chato deixar clientes há espera durante algum tempo. Mas se não aproveitar as oportunidades de pintura que tenho e não tentar viver apenas de pinturas, penso que seria como se estivesse a mandar fora o objectivo de vida que sempre tive. O que não teria lógica. Contudo, tenho a perfeita noção que as pinturas não durarão para sempre e, brevemente, terei de voltar a tatuar.
KNE: Em Vila Flor, onde tens uma casa aberta ao público, há muitos clientes? Mesmo sendo uma zona do interior norte do país…
Trip Dtos: Sim, há muitos clientes.
KNE: Como é que a pandemia tem afetado o teu trabalho enquanto artista?
Trip Dtos: Na pintura, afetou logo em março, já que tive uns quantos trabalhos cancelados nesse mês. A nível de tatuagem, ter a loja fechada durante quase quatro meses, também não ajudou nada.
KNE: Como é que vês o futuro? Sobreviverá a arte à pandemia? E os artistas?
Trip Dtos: A arte, sobreviverá sim, até porque já passou por períodos bem mais conturbados. Já os artistas, não sei se sobreviverão. Na música, nos teatros e todos os setores de logística que essas áreas englobam, há-de haver muitos que não sobreviverão e que terão de mudar de emprego, infelizmente.
“… ainda existe o síndrome bem português de “não vem de fora, não é bom”
KNE: Como é que é ser artista em Trás-os-Montes e tentar conquistar o reconhecimento dos nossos pares e do mundo em geral?
Trip Dtos: É mais tentar ser artista e tentar conquistar o reconhecimento. Para muitos, ainda sou um “rapazito que pinta umas paredes e faz umas coisas” e nem veem isso como uma profissão, muito menos como uma arte. Não é fácil tentar viver disto em Trás-os-Montes, pois ainda existe o síndrome bem português de “não vem de fora, não é bom”. Tenho de tentar agradar a gregos e troianos e tenho vindo a tentar mudar essa opinião porque o que temos cá também é bom, não precisa vir das grandes cidades para ser bom. Como em todas as profissões, nem tudo são rosas, mas faço o que gosto e isso é o mais importante.
KNE: Consideras que a internet veio facilitar o reconhecimento do trabalho de artistas que, de alguma forma, vivem isolados?
Trip Dtos: Sim! A internet é um importante meio de divulgação para os artistas, principalmente os que vivem afastados dos grandes centros urbanos. No meu caso, mesmo para a divulgação dos meus trabalhos dentro do próprio distrito.
KNE: Quanto a projetos. Estás envolvido em algum, neste momento, que queiras revelar?
Trip Dtos: Tenho umas quantas pinturas interessantes agendadas, mas o de maior realce será em Podence com a pintura de mais algumas paredes porque melhor do que ter uma parede pintada, só mesmo uma aldeia quase toda (risos). E é sempre gratificante ajudar no crescimento e divulgação dos caretos e das tradições locais.
KNE: Tens algum sonho, enquanto artista, que gostarias de alcançar?
Trip Dtos: Penso que o mesmo que a maioria dos artistas. Tentar fazer isto o máximo de tempo possível e quem sabe fazer parte da história. Talvez com sorte ver o meu nome na história da arte em Portugal, num livro do secundário ou de história de arte, mas isso é mesmo um sonho. Assim, algo mais modesto, pelo menos, já ficaria contente se ficasse na história de Trás-os-Montes, nem que dessem o meu nome a uma rua ou algo do género (risos).
KNE: Se pudesses dizer alguma coisa ao mundo através da tua arte nestes difíceis tempos de pandemia o que seria?
Trip Dtos: Apenas diria paciência e calma, talvez através de uma imagem de buda (risos).