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Marcha LGBTQIA+ atacada em Bragança enquanto percorria a Avenida Sá Carneiro

No passado sábado à tarde, dia 23 de setembro, teve lugar, em Bragança, aquela que foi a quarta edição da Marcha LGBTQIA+.

O exterior da cantina do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) serviu de ponto de encontro para as pouco mais de cinco dezenas de pessoas que, “sem medo”, decidiram dar a cara pela causa.

Cada vez mais existe a necessidade de demonstrarmos força e união contra esta crescente vaga de discriminação para com a comunidade LGBTQIA+, de manifestarmos o nosso apoio para com aqueles que se escondem por medo de serem discriminados e agredidos na nossa cidade”, assevera a organização, que considera, de extrema importância, evidenciar a existência de “uma comunidade de suporte e auxílio no combate à homofobia e transfobia”.

Mais que meros conceitos, homofobia e transfobia encerram em si sentimentos de intolerância, atitudes negativas, atos discriminatórios e, inclusive, de ódio e violência para com indivíduos de orientação sexual e identidade de género que não estão de acordo com a “norma” ou as expetativas de género da sociedade em que vivemos. Uma situação que a Comissão Organizadora Marcha LGBTQIA+ Bragança considera ser “bastante alimentada pelo conservadorismo local”.

Um "exemplo infeliz, mas perfeito", na forma como caracteriza todo o preconceito que se vive, sobretudo, nos meios mais pequenos, deu-se momentos após o início da marcha, ainda na Avenida Sá Carneiro, quando os jovens foram atacados com ovos atirados dos prédios. E nem mesmo a presença da Polícia de Segurança Pública, responsável pela escolta, conseguiu demover ou desencorajar “quem não conhece o respeito”. A própria organização revela que os agentes ainda tentaram identificar os perpetradores, mas sem sucesso.

Caroline Pereira, deputada na Assembleia Municipal pelo Partido Socialista, presidente da Federação da Juventude Socialista de Bragança e elemento integrante da Comissão Organizadora da Marcha LGBTQIA+, considera que a cidade estigmatiza, ainda, quaisquer pessoas ditas “diferentes” e que acontecimentos como ovos serem atirados são comuns. “Já o ano passado, eu também fiz parte da organização e tivemos exatamente o mesmo problema, colocámos os cartazes de divulgação da marcha pela cidade e posso dizer que raro é o cartaz que não foi arrancado ou vandalizado e só isso é uma demonstração pública de como esta cidade ainda vive muito o estigma e o preconceito para com a comunidade”, sublinha a entrevistada que trabalha numa empresa de biotecnologia em Braga, enquanto termina o doutoramento em Ciências da Saúde.

Após a marcha calcorrear as principais artérias da cidade, teve lugar, à semelhança de edições anteriores, uma sessão aberta na Praça Cavaleiro Ferreira, onde os participantes puderam partilhar os seus testemunhos. “É chocante aquilo que nós ouvimos porque, efetivamente, ainda existe muito preconceito para com a comunidade, seja nas escolas, nos seus locais de trabalho, seja numa simples ida às compras, seja num passeio pela cidade, se forem de mão dada com a respetiva pessoa com quem partilham a vida ouvem comentários, muitas das vezes são ameaçados, há situações e casos de violência para com casais homossexuais que aconteceram na noite em Bragança e, portanto, só isso demonstra bem a necessidade de nós continuarmos a organizar esta marcha”, defende, vigorosamente, Caroline Pereira, que acredita numa participação política ativa “na cidade que me viu crescer”, sobretudo, quando se trata de “lutar pelos direitos humanos”.

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A estudar no IPB, no curso de Animação e Produção Artística, Ana Varela decidiu participar, pela primeira vez, numa marcha LGBT. Movida pela curiosidade, a jovem do Barreiro não só aceita a diferença como se permite abraçá-la.

Trata-se de celebrar aquilo que já conseguimos ter, uma certa liberdade, e termos o nosso espaço, que deve prevalecer de alguma forma”, começa por afirmar. Em Bragança há cinco anos, a estudante reflete sobre a cidade. “Ainda é muito fechada, há dificuldades na questão da aceitação, principalmente, nas aldeias, onde não se fala ou se ignora ou onde se goza e eu sei porque já vivi numa aldeia. Aqui (Bragança) é mais tranquilo, mas é algo que é importante ser falado, é uma coisa normal e, portanto, deve começar a ser normalizado e as pessoas devem deixar de ter medo de se expressar ou de gostar de quem quer que seja, há que aceitar”, defende Ana Varela que garante já ter presenciado diversas situações pautadas por comportamentos homofóbicos "nada agradáveis", refere, num claro eufemismo.

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Ouvidos os testemunhos, em sessão aberta, da comunidade LGBTQIA+, seguiu-se uma festa ao final da tarde num conhecido bar da cidade. Entre conversas de elementos da Comissão Organizadora da Marcha LGBTQIA+ era bem patente o descontentamento pela falta de apoios, nomeadamente, da Câmara Municipal de Bragança. Isto porque, de acordo com Vitória Carolina Correia, a autarquia recusou “hastear a bandeira da comunidade LGBTQIA+, a 28 de junho, por motivos de igualdade e de não-discriminação para com as restantes comunidades do município”, dando, inclusive, o exemplo de Mirandela que, diz ter promovido o hastear da bandeira “como um gesto de apoio e de integração da comunidade na nossa sociedade”.

A menina que nasceu menino, mas que sempre teve alma de mulher, estreou-se na organização da marcha e é uma firme crente do ativismo social. Acredita em ir para a rua, marchar, ir para a luta, seja pelos direitos LGBTQIA+, pelo empoderamento feminino, pela libertação dos padrões patriarcais, baseados em normas de género e, ultimamente, pelo direito à habitação.

Faz 49 anos que estamos num estado liberal e se para algumas pessoas isso parece ser suficiente, muitos de nós não sentem que assim seja. Há uma carência efetiva, a nível estrutural, das nossas necessidades, de existir como nós somos, no meu caso particular como uma mulher trans, de ter acesso à transição a nível médico”, testemunha Vitória que, atualmente, é acompanhada por uma sexóloga, aqui em Bragança, mas tem de se deslocar a Coimbra para poder usufruir do tão necessário apoio psicológico.

Um “nascer num corpo errado”, que amiúde lhes exige tamanha transformação física, mais um número interminável de consultas e cirurgias, num processo que dura toda uma vida, uma avassaladora carga emocional, mais o peso acumulado de uma sociedade que ao julgar quem não conhece, acaba, inevitavelmente, por condenar. A jovem nascida em Macedo de Cavaleiros tem sentido, desde tenra idade, a pressão discriminatória, quase sempre silenciosa, de um Estado incapaz, cujo Serviço Nacional de Saúde está a anos-luz das reais necessidades de quem vê na transição a única saída.

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Instagram: @lgbtqia_braganca

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